Palestra de Ajahn Chah

Palestra a Leigos Sobre o Dhamma

Algumas pessoas dizem que é impossível praticar o Dhamma como uma pessoa leiga. Considerem qual grupo é maior, os monges ou as pessoas leigas? Existem muito mais pessoas leigas. Agora, se apenas os monges praticarem e as pessoas leigas não, então isso significa que haverá muita confusão. Isso é um entendimento errado. “Eu não posso me tornar um monge…” Tornar-se um monge não é o ponto! Ser um monge não tem significado se vocês não praticarem. Se vocês realmente entendem a prática do Dhamma, então não importa qual posição ou profissão que vocês tenham na vida, seja um professor, doutor, funcionário público ou qualquer outra, vocês podem praticar o Dhamma todos os minutos do dia. (...) O Buddha viveu neste mundo, ele não viveu em nenhum outro lugar. Ele experimentou a vida em família, mas ele viu as limitações e se desapegou dela. Agora, como vocês, enquanto pessoas leigas irão praticar? Se quiserem praticar deverão fazer um esforço para seguir o caminho. Se perseverarem com a prática também enxergarão as limitações deste mundo e serão capazes de deixar passar. (...) Hoje em dia, dar palestras tende a ser assim, e está piorando o tempo todo. As pessoas não procuram pela verdade, elas simplesmente estudam para encontrar o conhecimento necessário para sobreviverem, criarem famílias e cuidarem de si mesmas. Elas estudam para um sustento. Podem até ter algum estudo do Dhamma, mas não muito. Os estudantes hoje em dia possuem muito mais conhecimento que os estudantes de tempos anteriores. Eles possuem todos os requisitos a sua disposição, tudo é mais conveniente. Mas eles também possuem muito mais confusão e sofrimento que antes. Por que é assim? Porque eles procuram apenas pelo tipo de conhecimento utilizado para ser bem sucedidos na vida.


Mesmo os monges são assim. Algumas vezes escuto eles dizerem: “Eu não me tornei um monge para praticar o Dhamma, eu apenas me ordenei para estudar”. Essas são as palavras de alguém que interrompeu totalmente o caminho da prática. Não há caminho adiante, é um beco sem saída. Quando esses monges ensinam é apenas por meio da memória. Eles podem ensinar uma coisa, mas suas mentes estão em um lugar completamente diferente. Tais ensinamentos não são verdadeiros. (...) O ensinamento do Buddha é a verdade imutável, quer no presente ou em qualquer outro tempo. O Buddha revelou essa verdade 2500 anos atrás e tem sido verdade desde então. Não se deve adicionar nem retirar nada a esse ensinamento. O Buddha disse: “O que o Tathāgata estabeleceu não deve ser descartado, o que não foi estabelecido pelo Tathāgata não deve ser adicionado aos ensinamentos. Ele “selou” os ensinamentos. Por que o Buddha os selou? Porque esses ensinamentos são as palavras daquele que não possui imperfeições. Não importa como o mundo possa mudar, esses ensinamentos não são afetados, eles não mudam com ele. Se algo é errado, mesmo que as pessoas digam que está certo, não o faz menos errado. Se algo está correto, isso não muda apenas porque as pessoas dizem que não está.
Agora, quem criou essa verdade? A própria verdade criou a verdade! Foi o Buddha quem a criou? Não, não foi. O Buddha apenas descobriu a verdade, a forma como as coisas são, e depois ele a declarou. A verdade é constantemente verdade, quer o Buddha surja no mundo ou não. O Buddha apenas “possui” o Dhamma nesse sentido; ele, na realidade, não o criou. Isso esteve aqui o tempo todo. Entretanto, anteriormente, ninguém tinha procurado e encontrado a Não Morte, e ensinado como sendo o Dhamma. Ele não o inventou, ele já estava lá.
Em algum ponto no tempo a verdade é iluminada e a prática do Dhamma floresce. Na medida em que o tempo continua e as gerações passam, a prática se degenera até que o ensinamento desaparece completamente. Depois de um tempo o ensinamento é fundado novamente e floresce mais uma vez. Na medida em que o tempo passa os adeptos do Dhamma se multiplicam, a prosperidade surge, e mais uma vez o ensinamento começa a seguir a escuridão do mundo. A confusão reina mais uma vez. Então é o momento de restabelecer a verdade. De fato, a verdade não vai a lugar algum. Quando os Buddhas se vão, o Dhamma não desaparece com eles.
O mundo gira dessa maneira. É algo como a mangueira. A árvore amadurece, floresce e os frutos aparecem e crescem para maturação. Eles se tornam podres e a semente retorna ao chão para se tornar uma nova mangueira. O ciclo começa mais uma vez. Eventualmente existem mais frutos podres que se conduzem para cair, deteriorar, afundar no chão enquanto sementes e crescem uma vez mais como árvores. Assim é como o mundo é. Ele não vai muito longe, ele apenas gira em torno das mesmas velhas coisas.
As nossas vidas, nesses dias, são a mesma coisa. Hoje estamos simplesmente fazendo as mesmas velhas coisas que sempre fizemos. As pessoas pensam muito. Existem tantas coisas para elas se interessarem, mas nenhuma delas leva a completude. Existem as ciências tal como a matemática, física, psicologia e assim por diante. Vocês podem se aprofundar em qualquer uma delas, mas no final as coisas terminam com a verdade.
Suponhamos que exista uma carroça sendo puxada por um boi. As rodas não são longas, mas os rastros são. Contanto que o boi puxe a carroça os rastros irão seguí-la. As rodas são redondas, mas os rastros são longos; os rastros são longos, mas as rodas são meramente círculos. Quando apenas olhamos uma carroça parada não conseguimos ver nada de longo sobre ela, mas assim que o boi começa a mover vemos os rastros se esticando atrás das rodas. Tanto quanto o boi puxa, as rodas continuam a girar… mas chega o dia em que o boi se cansa e se livra de seu arreio. O boi vai embora e deixa a carroça vazia, parada lá. As rodas não giram mais. Com o tempo a carroça desintegra-se, e seus componentes voltam aos quatro elementos – terra, água, vento e fogo.
Ao procurar a paz no mundo vocês estendem os rastros das rodas da carroça infinitamente atrás de vocês. Enquanto vocês seguirem o mundo não haverá fim, não haverá descanso. Se vocês simplesmente pararem de segui-lo, a carroça entra em repouso, a roda não gira mais. Seguir o mundo gira a roda incessantemente. Criar o kamma (carma) ruim é assim. Enquanto seguirem as maneiras antiquadas não haverá parada. Se pararem haverá parada. Assim é como nós praticamos o Dhamma.

Venerável Ajahn Chah