O Artifício do Mestre


(fonte: http://www.dhammadafloresta.blogspot.com.br/)
Ajahn Mai fala sobre o truque que Luang Pó Si utilizou para lhe ajudar a ter coragem para derrotar Māra.

Transcrição:

(A tradução é do Ven. Mudito Bhikkhu, monge Theravada brasileiro que vive na Tailândia e traduz diretamente do tailandês.) GooglePlus - YouTube - Mais informações

O Artifício do Mestre


(...) essa foi a primeira vez, quando comecei a praticar o Dhamma. Olhava e não havia felicidade, só havia sofrimento na prática do Dhamma. No começo só via sofrimento, não havia felicidade porque doía, machucava, torturava. Mesmo eu querendo saber, querendo ver, querendo alcançar o Dhamma, querendo que a mente se pacificasse e alcançasse samādhi, mas coisas surgiam como que vindo das trevas para me incomodar, faziam minha mente desistir todas as vezes. Sentava todo dia, quando dava 20 ou 30 minutos já levantava, ia andar, ia mudar de postura, andava uma hora e sentava novamente, 20 ou 30 minutos e desistia de novo. Me esforçava desse jeito e ainda era derrotado desse jeito, pratiquei um mês inteiro e ainda continuava desse jeito. E aí como foi que tomei uma decisão? Essa decisão eu tomei por ter ouvido, ter escutado o mestre, ele me ensinou.

O mestre demonstrou abhiññā para que eu visse. De que forma ele demonstrou abhiññā? Ele tinha conhecimentos especiais. Ele me disse para praticar mas eu não conseguia, e então me deu um empurrão quando encontrei esse sofrimento. O que aconteceu foi algo que me deu energia para praticar, deu coragem para me decidir a lutar para valer. Meu professor disse: “Hoje há monges vindo a pé, a distância é de 7 ou 8 km do nosso monastério até o monastério deles.”. Pela manhã, ao terminar a refeição ele disse para eu lavar a tigela dele e levar até a cabana e esperar por lá. Ele falou assim. Então eu lavei a tigela e levei até a cabana dele, sentei e esperei por ele, não demorou muito e ele subiu na cabana(1). Foi só ele subir na cabana e ele disse: “Nesse momento há monges vindo a pé, aquele monge se chama Ajahn Bun Guêrt, ele mora no Wat Pah Sikunaram, na vila Jit.”. Já eu morava no Wat Pah Sirivatana, vila Don Tua Din, o meu mestre se chamava Ajahn Si Buddhayo. Ele disse: “O Ajahn Bun Guêrt está vindo, ele vai até a vila Lao Yay, vai pedir bambu ao Ajahn Sari, Wat Pah Majhima Won, no distrito Vipavadi, para fazer armação de glot”. Porque naquela época o Wat Pah Majhima Won era um monastério antigo, o bambu estava maduro, se usasse para fazer armação do glot os cupins não destruiriam. Mas nosso monastério era novo, ainda não tinha bambu. Então ele disse: “Ele vem vindo, tem um monge de óculos escuros andando atrás dele, e há um garoto do monastério, pequenininho, carregando uma sacola e andando entre ambos.”. Ele falou assim. E ele disse: “Estenda uma esteira, coloque água num jarro.”. Foi só ele dizer isso e um monge novato, que se ordenou junto comigo, disse: "Ôi, esse Ajahn não sabe o que fala, não sabe o que fala, está delirando com um doido.". Esse era um monge novato, havia se ordenado fazia um mês. "Êêê, esse monge eu falo e ele não escuta. Se não vai fazer o que eu disse, desce já daqui!". Deu bronca, tocou para fora da cabana. “Se não descer vai tomar uma paulada!”. O monge desceu da cabana, e ele então disse: "Mai, não vá na dele, estenda a esteira, encha o jarro com água.". Eu estava com medo de levar bronca então estendi a esteira e enchi o jarro de água, e preparei um assento. Ele disse e sentou-se, quando eu terminei ele disse: "Nesse momento Ajahn Bun Guêrt está para entrar em Don Tua Din, quando ele chegar em frente a escola," em frente a escola tem um pequeno pé de manga, ele disse "quando ele chegar ao pé de manga em frente a escola, desça e ande até o final da cerca do monastério ao leste, pelo portão que usamos quando saímos em pindapāta. Ele estará andando do pé de manga até aquele exato ponto, vá recebê-lo.". Ele falou assim. “Hoje quando ele chegar ele vai descansar no nosso monastério pois hoje o sol está quente.”, ele falou assim. "Às três da tarde, quando o sol estiver mais fraco, ele vai até Lao Yay.". Ele falou assim.

Eu pensei comigo mesmo “Êêê, essa fala é uma verdade ou uma mentira?”. Tinha medo de levar bronca se eu não fosse recebê-lo, então desci da cabana e fui andando pois ele disse “Eles já chegaram ao pé de manga.”, então fui. Pensei comigo mesmo, critiquei o mestre, critiquei o Ajahn na minha mente, "Êêê esse monge, já se ordenou fazem vários anos, é abade, fica procurando formas de enganar os leigos e a sangha desse jeito? Engana os monges e noviços desse jeito? Fica procurando meios para enganar desse jeito? Êêê, fazendo dessa forma as pessoas serão ludibriadas, serão tapeadas a vir fazer doações. Somos muito burros.". Eu ia pensando comigo mesmo. Ia pensando e andando de cabeça baixa, pensava que havia sido enganado.

Foi só chegar no portão por onde íamos em pindapāta, ergui a cabeça, Luang Pó Bun Guêrt tinha acabado de chegar bem ali. Fez com que me assustasse. Ele havia acabado de chegar ao pé de manga em frente a escola, durante o período que levou para eu descer da cabana e chegar ao portão da pindapāta, como se ele tivesse pegado a fita métrica e medido. No ponto exato. Eu fiquei impressionado. Então andei e fui pegar a sacola do Luang Pó Bun Guêrt. Ele perguntou: “Nên(2), o que veio fazer aqui?”. Naquela época eu era noviço, havia acabado de me ordenar havia um mês. Era noviço e havia acabado de me ordenar. Então Luang Pó Bun Guêrt perguntou “Nên, veio fazer o que aqui?” “Vim receber o senhor.” “Quem mandou vir?”

Eu disse “Tahn Ajahn mandou vir.”. Só isso e ele sorriu e continuou andando, foi direto à cabana. Entrou no monastério e foi direto à cabana. Ainda não alcançou a cabana, quando chegou em frente a cabana, Tahn Ajahn estava em cima, na cabana, desceu e perguntou: “Onde vai Tahn Ajahn?”. Luang Pó Bun Guêrt disse: “Vou até Lao Yay”. “O que Tahn Ajahn vai fazer em Lao Yay?” “Vou pedir bambu a Tahn Ajahn Sari para fazer armação de glot.” “Que tal subir e beber um pouco de água antes?” “Ah, vou subir e descansar um pouco aqui. Ô! Hoje o sol está quente! Às três da tarde eu sigo.”, ele falou assim. Eu fiquei confuso de novo, ele já havia me contado tudo isso, por que perguntou? Isso é um mistério. Eu havia acabado de me ordenar e fiquei confuso. "Ê? Como ele sabia? E por que perguntou se já havia me dito?" Fiquei confuso. Então lembrei que as pessoas no nordeste têm fé, antigamente não havia médico, quando alguém ficava doente eles chamavam o feiticeiro, chamavam de “Médico do Dhamma”(3), dizia curar através do Dhamma, preparava o doente e recitava um encanto.

Chamava de poder do Dhamma. Fazia exorcismo, fazia de tudo, quando queria saber isso ou aquilo, perguntava, "Qual é causa dessa doença? Esse remédio vai dar resultado? Vai sarar? Onde encontrar o remédio?" O médico predizia, o médico do Dhamma predizia. “O remédio está naquela direção, se chama assim”, ele falava diretamente. Então eles pegavam a panela, naquela época os remédios eram raízes, preparavam e o doente sarava. Eu pensei "Êê? Que feitiço Tahn Ajahn conhece? Que Dhamma ele conhece?", pensei que queria aprender também.

Fiquei pensando comigo mesmo. Eles continuaram conversando, Luang Pó Bun Guêrt e meu Luang Pó, após um período eles dormiram. Às três Luang Pó Bun Guêrt levantou: "Ô, já deu a hora, o sol já esfriou, vou seguir adiante antes que escureça."

Meu Luang Pó disse “Nên, leve-o até o portão e corre de volta aqui.”. Eu então o levei e após chegar à saída do monastério eu voltei. Quando cheguei ele estava esperando sentado na cabana, eu subi e prestei reverência. Foi só eu ter feito a reverência e ele perguntou: "Quer ter? Audição divina, visão divina?(4)", falou sem rodeios. "Quero, sim senhor." e levantei as mão em añjali, "Quero, sim senhor.". "Se quer ter ande jomgrom até as pernas apodrecerem!", falou assim. "Sente até morrer. Se as kilesas não morrerem, você morre.". Falou só isso e entrou na cabana, passou o ferrolho, não falou mais nada, trancou a cabana. Eu ouvi só isso e como é que ficou minha mente? "Audição divina, visão divina, vem de praticar jomgrom e sentar em meditação?". Eu pensei assim: "Hoje eu vou praticar até conseguir.". Ôôi quando chegou a noite, terminada a puja, às 19:00 fui praticar jomgrom. Quando praticava jomgrom queria sentar, a mente tinha vontade, praticava jomgrom e queria sentar em meditação, mas tinha que praticar porque antes de sentar eu costumava caminhar um pouco, fazia assim todo dia, tinha que ser no mínimo uma hora. Caminhava mas antes de completar uma hora a mente queria sentar, queria ter audição divina, visão divina.

Após praticar jomgrom por uma hora, subi na cabana e me sentei, foi só me sentar por 20 ou 30 minutos e ôôô, era como se fosse morrer, o mesmo que antes. Vocês já passaram por isso? Doía, machucava, atormentava. Isso é o que se chama Māra. Até então não conhecia Māra, quando começou a doer fechei os olhos e senti como se meu corpo estivesse escuro, completamente negro. Foquei a mente em "budo, budo" inspiração e expiração, inspira "bu", expira "do", tinha sati focada no meu corpo, me sentia tenso. Meu corpo estava completamente negro, só havia dor me atormentando. No final me levantei e fui caminhar, não fiz como havia pensado. Eu fiz uma resolução mas não agi de acordo. Após caminhar voltei para sentar novamente, aconteceu a mesma coisa quando chegou no mesmo período de tempo. Fiquei tentando dessa forma até perder o ânimo, e então parei e descansei.

No dia seguinte tentei novamente, fiz assim por 6 ou 7 dias. Lutava desse jeito, sofria desse jeito, doía desse jeito.

Quando chegou no sétimo dia eu estava varrendo, ia varrendo e pensando "Êêê, como conseguir praticar jomgrom e sentar em meditação como Tahn Ajahn disse? Desse jeito não vou conseguir audição divina, visão divina.". Pensava sozinho e fiquei desanimado, peguei a vassoura e sentei desenhando na areia, como alguém derrotado, sem esperança. Desenhava na areia e de repente vi Tahn

Ajahn de pé bem em frente a mim, onde estava desenhado, não vi quando ele chegou, minha mente estava distraída a esse ponto, estava apenas rabiscando no chão, não escrevia nada, apenas rabiscava.

Ele perguntou: "Nên, como é? Está praticando jomgrom, sentando em meditação?". Me assustei, "Como ele consegue aparecer assim? Não ouvi ele chegar.". Coloquei as mãos em añjali e respondi "Eu pratico jomgrom, sento em meditação, mas não sei o que acontece, só tem dor.", pensei em falar assim mas ele cortou: "Pare. Pare. Me siga até minha cabana.". Ele falou assim e andou de volta à sua cabana, e fui andando atrás dele. Quando chegou ele sentou no assento, e eu sentei à frente dele, prestei reverência, e ele então perguntou: "O Buddha era homem ou mulher?". Foi só ele perguntar isso e eu já entendi, estranho não?

Entendi imediatamente, ele não explicou. Ele perguntou "O Buddha era homem ou mulher?".

Respondi: "Era homem." "E você, é homem ou mulher?" "Sou homem.". Meu coração entendeu. E vocês, como entendem isso? Eu queria que pelo menos uma pessoa respondesse. Isso surgiu no coração "pup!", "O Buddha era homem, eu sou homem, como posso ser burro a esse ponto? Será que não sou mulher? Fraquejando desse jeito, por que não vai se vestir como mulher?". Surgiu na mente desse jeito. Foi só isso surgir e a mente se fortaleceu. "Com quantos anos o Buddha se ordenou?". Naquela época havia lido a biografia do Buddha e sabia que o Buddha havia se ordenado aos 29 anos. "Quantos anos ele tinha quando se iluminou?" "Trina e cinco anos." "Quantos anos você tem?" "Dezoito anos, quase dezenove." "Você é burro a esse ponto? Não consegue fazer melhor que um velho! Tem 18, 19 anos e vem reclamar de dor nas pernas, nas costas, na cintura, desse jeito?" Ele falou assim, falou bravo, e fez mais uma pergunta: "O que Buddha venceu antes de tornar-se o maior mestre do mundo?" Eu não sabia responder, pois nunca havia praticado. Fiquei em silêncio, quando não respondi ele falou: "O Buddha venceu Māra, não é? Kilesa Māra, Sankhāra Māra. O Buddha venceu isso e portanto se tornou o maior mestre de todo o mundo.". Foi só ele dizer e ôôôiii, meu coração ficou valente "Então é Māra que vem fazendo com que eu sinta dor todos os dias quando sento? Agora eu sei. Hoje foi lutar até ela morrer! Não vou desistir! Vou lutar!", a mente queria lutar. Quando ouvi aquilo foi como ter tomado um tônico, tive quem me estimulasse, tive algo para me estimular e então a mente conseguiu lutar. Tive o mestre para ajudar a resolver o problema. Se não tivesse um mestre ia parar bem ali e não ia conseguir fazer. Se perdesse ia ficar por isso mesmo. Se não lutasse novamente, ia perder. Ouvir e não praticar de acordo significa perder, fica assim. Então me decidi.

Então pensei, já estava escurecendo, queria ir praticar jomgrom, ainda não tinha tomado banho, ainda não tinha feito a puja, queria ir praticar jomgrom, meu coração estava valente, queria ir praticar jomgrom. Tahn Ajahn mandou "Vai, vai tomar banho, vai fazer puja.", eu desci da cabana fui tomar banho, fui ao templo, preparei os assentos e participei da puja, terminado ele mandou "Vai! Vá praticar.", ele falou assim. Naquele ano haviam 12 monges e noviços morando juntos, contanto monges e noviços, mas ele não mandou nenhum dos demais, nunca mandou, nunca pressionou dessa forma, ele só encorajou a mim, exclusivamente. Quando desci fui até a árvore que utilizava como espaço para jomgrom e fui praticar jomgrom. Antes de dar uma hora praticando jomgrom, veio de novo a vontade de ir sentar, como antes. O coração estava valente, queria saber, queria ver. "Dessa vez eu tenho que vencer Māra, kilesas, até conseguir.". Pratiquei jomgrom até as oito da noite e subi na cabana, a cabana era pequenininha, a porta não tinha maçaneta como hoje em dia, usávamos uma madeira para fechar a porta. Fechei bem a porta e pensei, fiz uma reverência no local onde dormia, fiz uma reverência e determinei na minha mente "Se eu não conhecer, ver o Dhamma hoje, essa noite, não levanto daqui.".

Fiz a determinação e me sentei. Após 20 ou 30 minutos sentado, o mesmo que antes, veio de novo, Māra veio de novo, mas dessa vez eu vou lutar, vou lutar até morrer. Foi ela surgir "Aqui está Māra, de acordo com que Tahn Ajahn disse, esse Māra é o Māra dos sankhāras, isso é Māra. Vou me deixar derrotar outra vez? O Buddha conseguiu vencer, vou ter que conseguir vencer.". Conforme continuei sentado a dor continuou atormentando mas sati não saiu de "budo", o foco se unificou, "bu" inspira, "do" expira, sentia do peito até a ponta do nariz. Sentava desse jeito, focava desse jeito.

Enquanto focava desse jeito, meu corpo estava completamente negro, completamente tenso. Sentia formigamento em várias partes do corpo, até a cabeça, até os fios de cabelo. Mas pensei "Estou disposto a morrer se não conseguir vencer Māra esta noite.", a mente pensava em lutar "Vou lutar até morrer. Se eu morrer e tiver oportunidade de nascer novamente, provavelmente não vou sentir tanta dificuldade em praticar como atualmente. Provavelmente eu nunca tive contato com o Buddha Sāsana em vidas passadas, não tive contato com o Dhamma, o ensinamento do Buddha, não pratiquei de acordo com o ensinamento do Buddha, nunca observei sīla, pratiquei dāna, e por isso quando vim praticar nessa vida é desse jeito.".

Minha mente voltou no passado, desde o dia em que nasci, até o dia atual, "Eu sou filho de camponeses, desde que fui capaz de andar ia junto com meu pai ao campo caçar caranguejo, peixe, sapo, rã, todo tipo de bicho para comer, pegava para comer, o pai e a mãe ensinaram desde que era pequeno, se contar todos esses seres, até o dia em que me ordenei com 18, quase 19 anos, se juntasse todos num monte, o monte ia ser tão alto como a cabana em que estou sentado.". Então fiquei desanimado, fiquei com pena de mim mesmo, "Eu realizei um carma pesado a esse ponto? Se eu tiver que morrer para compensar cada uma das vidas que tirei, uma morte para cada vida, como vai ser? Vai demorar quantas centenas de milhares de vidas?". Quando pensei assim "Não vou sair de meditação, estou disposto a morrer hoje, assim não volto a fazer mais maldades. Hoje vejo claramente a quantidade enorme de maldade que já cometi.". Continuei sentado de olhos fechados e meu corpo estava completamente tenso, só sentia dor, completamente negro. "Essa escuridão é a mente cheia de maldade, a mente suja, como uma panela que usamos para cozinhar, se colocar sobre o fogo por um ano como, fica o fundo da panela? Continua branco como antes?(5) Se ficar sobre o fogo por um ano, dois anos, se comparar com minha idade, 18, 19 anos, como fica? Fica muito grossa a camada de fuligem que vai se acumular no fundo da panela? Isso é por eu ter feito muita maldade até chegar a esse ponto, não é possível limpar tudo isso num só dia, se fosse uma panela não ia voltar a ser branca, leva vários dias, por isso eu tenho que estar disposto a morrer praticando meditação essa noite. Que eu morra, e que nasça novamente. Nessa vida eu encontrei com o Buddha Sāsana, encontrei a coisa real, tal qual Tahn Ajahn demostrou para que visse.".

Quando pensei assim a mente lutou, quando a mente começou a lutar ela se inclinou em direção a "budo", foi puxando para dentro, para dentro... Quando deu meia-noite, eu olhei a dor no corpo que estava doendo, que estava tenso, negro, foquei a mente em "budo, budo", não admitia parar, não havia quebra, não havia distração, sati estava em seu ápice, quando chegou meia-noite surgiu um ponto da ponta do nariz até o centro do peito de cor branca, como um fio de seda. Que é isso? Esse fio de seda?

O fio de seda era branco. Se esse fio branco se rompesse minha vida romperia, eu morreria. Aumentei ainda mais o foco, após esse evento surgir fiquei observando a cor branca daquele fio, já "budo" sumiu foi para onde eu não sei. Foquei nesse ponto, no fio de seda branco. Fiquei olhando para o fio de seda branco até a 1:00 da manhã e então surgiu um som alto, como quando acendemos um fogão a gaz, como quando acendemos um fogão e ele "fú!", bem à minha frente, uma luz surgiu logo à minha frente, cerca de um braço de distância, cerca de um metro, e tinha um forma redonda como a lua, tinha uma luz clara como a lua. Minha mente estava fixa, fixa naquela luz, passou um minuto e era como se eu estivesse no centro daquela lua. Quando estava dentro daquela lua não havia à frente ou atrás, quando não havia à frente ou atrás, não havia nada que pudesse obstruir minha ciência, de dentro da minha cabana eu conseguia ver o monastério inteiro, ver essa e aquela cabana, ver o templo, ver as pessoas andando para cá e para lá pela manhã, indo pegar o martelo para bater o pông, o sinal para sair em pindapāta(6), conhecem "pông"? Alguns não conhecem pois moram em Bangkok, por lá eles batem o pông, quando bate o pông faz um som alto "pum! pum!", bate na madeira, cava o centro da madeira em forma de sino e o martelo como um pilão, só que grande, largo do tamanho de uma perna e cerca de 2 metros de altura. Bate com um martelo de madeira e faz um som alto "pum! pum!" e os monges saem em pindapāta. Não havia sino.

Via os monges indo fazer a faxina no templo, batendo o pông e saindo em pindapāta. Enquanto eles estavam em pindapāta eu os via, quando eles voltaram eu os via, enquanto eles comiam eu os via, mesmo estando dentro da minha cabana. Tahn Ajahn não disse nada para os leigos que vieram oferecer comida, ficou em silêncio, eu acho que ele queria me dar a oportunidade, e não disse para os outros monges "Vá chamar Nên Mai para ele vir comer.", não disse, não falou. Eu estava feliz ali, naquela hora a dor havia desaparecido, não havia e não havia formigamento, aquela escuridão desapareceu por completo. Sumiu, como se eu não tivesse corpo, tinha somente ciência. Estava ali, ciente e vendo. No final fiquei até o nascer do sol, até a noite, passou uma noite, um dia, passou a segunda noite, passou o segundo dia, passou a terceira noite, passou o terceiro dia. Fiquei ali sentado, ciente. Vários tipos de nimittas surgiram enquanto estava sentado ali. Todas as imagens que surgiram eram relacionadas a sīla, eram histórias, via como que com os próprios olhos. Via gente pegando vacas e búfalos para matar, bebendo álcool, drogados, os bebuns brigando entre si, bebendo até ficar cheios e então contando vantagem "Eu sou mais malandro que você!", no final pegam uma faca e matam um ao outro, bem em frente aos meus olhos. Fez com que sentisse desencanto, compaixão, "Por que eles não vêm fazer como nós? Não vêm praticar meditação, praticar o Dhamma como nós? Por que eles agem dessa forma? Por que nascem e desperdiçam a vida?", sentia pena deles. Era como se fosse algo real acontecendo.

Quando uma história acabava surgia uma nova.

Após três dias e três noites, minha tia veio oferecer comida, ela não via o sobrinho saindo em pindapāta, então assou um peixe colocou sal e pegou um cesto pequeno de arroz grudento(7) trouxe para oferecer para o sobrinho comer pois estava preocupada com o sobrinho. Ouvi o som "tóc, tóc" na escada e sabia que era minha tia. Eu não fui abrir a porta para ela porque ainda estava praticando meditação, tinha medo que a mente perdesse embalo, não queria mudar de posição. Então não demorou muito minha tia subiu e veio bater à porta. Ficou batendo "kók, kók", chamando "Nên! Nên!", eu havia dito que não ia levantar mas tive que quebrar minha promessa pois pensei "Se eu não levantar e ir abrir a porta para minha tia ela vai ficar batendo o dia inteiro, ela vai ficar incomodando meu samādhi desse jeito o dia inteiro, isso vai ser demérito para ela e essa história não vai acabar.". Então levantei e fui puxar a trava de madeira da porta, abri a porta e perguntei à minha tia: "Tia, o que veio fazer aqui?" “Vim perguntar, por que não saiu em pindapāta? Brigou com quem? Está com raiva de quem?

Por que não saiu em pindapāta e não foi comer?” Então respondi: "Eu não briguei com ninguém, não estou com raiva de ninguém." "Por que não saiu em pindapāta? Está doente? Se está doente por que não falou para a tia? Eu traria remédio." "Não estou doente." "Se não está doente por que não saiu em pindapāta?" "Quando vim me ordenar a tia falou para me comportar bem, eu ainda me lembro, não seja teimoso, senão as pessoas vão criticar, vai envergonhar nossa família. Respeita bem sīla, não ultrapasse os preceitos, não quebre os preceitos, não brigue com ninguém. A tia ensinou assim, eu já estou aqui praticando e a tia ainda vem me incomodar?" "Ah, se é desse jeito eu entendo. Já que é assim coma um pouco para eu ver.". Ela havia assado um peixe salgado, no interior, se alguém está doente eles assam um peixe e colocam sal até ficar bem salgado e come puro com arroz, só isso. É porque é fácil digerir. Disse que não ia comer, mas se não comesse ela não ia embora, a tia falou assim. No final discutimos e disse "Se é assim eu como uns três punhados." então peguei um pouco de arroz, três porções, e passei em cima do peixe, no sal que estava cobrindo o peixe, já viram peixe assado? Que eles assam e fica com uma camada branca de sal por cima? Então passei o arroz no sal, comi, três porções e disse à tia: "De agora em diante não venha me incomodar, eu vou praticar." "Agora que sei disso não venho mais incomodar." e ela foi embora. Eu voltei a sentar em meditação, e continuei sentado por mais 4 dias e 4 noites, no total forma 7 dias e 7 noites. A mente era um fluxo contínuo de ciência. Quando sentava não era pesado como quando sentava antes, antes era pesado como se uma montanha inteira de pedras estivesse me esmagando. Doía, machucava. Mas quando a mente entrou em samādhi e ciente daquele jeito, ficou leve, como se não estivesse sentado, como se estivesse levitando. Surgiu êxtase. Após três dias, no quarto dia, eu lembrei o que Tahn Ajahn havia dito "Quer ter audição divina, visão divina?". Foi só lembrar disso e a felicidade explodiu ainda mais "Já consegui audição divina, visão divina?". Foi só saber disso e até que ponto foi minha felicidade "O Dhamma do Buddha eu já consegui.". Foi só pensar nisso e a dor desapareceu por completo, só tinha satisfação e bem-estar, não queria falar com ninguém, não queria ir a lugar algum. 7 dias e 7 noites, não urinei, não precisei ir ao toalete. Aonde foram parar, eu não sei, como que automaticamente. Era como se não tivesse corpo. Havia apenas ciência. Essa foi a primeira vez que tive conhecimento do Dhamma. Era noviço ainda não havia completado dois meses. Então khanti que eu vinha usando para aguentar até então, usava para conseguir suportar, brigava com o sofrimento, mas quando minha mente se pacificou em samādhi, ficou luminosa, surgiu êxtase e felicidade, tornou-se

Paramata Dhamma, chama-se Khanti Paramata. Aquele formigamento e dor sumiram automaticamente, não voltaram novamente. Após esses 7 dias que sentei em meditação onde quer que fosse mantinha a mente atenta, a mente ficava atenta. Assim que tinha oportunidade sentava em meditação, de dia e de noite, mas também descansava após praticar. Eu praticava na medida certa. Todas as vezes que sentava a mente se pacificava imediatamente, ficava luminosa imediatamente, não dava tempo do formigamento surgir e o corpo ficava leve, aquele saber surgia. Então ficou fácil sentar em meditação, não havia obstáculos. Não havia sofrimento, não havia dor. Isso é o surgir de Khanti Paramata

Dhamma. Quando ciência surgia ela funcionava automaticamente, mesmo sem ter tido estudo. Surgiam imagens do meu corpo e via como era o agregado corporal, como é o corpo quando ele apodrece, surgiu do samādhi. Após esses eventos surgirem eu ia pesquisar, procurava um livro de Dhamma para ler e comparava. Isso foi quando comecei a praticar o Dhamma.

Quando aconteceu desse jeito, eu queria sair e ficar em lugares pacíficos, longe das pessoas.

Após esse período, eu fui procurar lugares pacíficos, à noite queria sair do monastério e ir ao cemitério.

Durante o dia eu ia examinar o cemitério, naquele cemitério, onde era o lugar mais assustador? Eu ia verificar. Ia olhar nas covas. Cova de gente normal não queria, tinha que ser morte violenta, pessoas que foram assassinadas, dizem que o fantasma é mais feroz. Será que vou sentir medo? Ia examinar e à noite após a puja ia lá, estendia uma esteira em frente à cova, às 4 da manhã voltava ao monastério.

Aquele local era na floresta, os mosquitos picavam, eu não havia posto uma tela de proteção, os mosquitos picavam. Naquela época eu havia renunciado a tudo. Como conseguia permanecer com os mosquitos picando? Conseguia por causa do coração de renúncia. Pensava na história do Buddha, na ocasião em que ele era Bodhisatta, acumulando paramī até chegar a essa última vida. Ele era Vessantara junto com sua esposa Maddī e foi morar na montanha Vankagiri por ter feito doações até ser expulso da cidade. Eu nasci pobre, não tive meios de obter coisas para fazer doações como o Buddha fez, só pude doar arroz na época em que morava em casa. Naquele dia haviam pessoas pedindo arroz, havia seca em Ubon, eles iam com um cesto andando em fila e pedindo arroz. Minha mãe mandou eu pegar arroz, uma cumbuca para cada pessoa, 10 pessoas eram 10 cumbucas. Então só havia feito doação de arroz.

Agora eu me ordenei e já não tenho mais nada para doar, a não ser meu sangue e carne, então doei meu sangue para os mosquitos. Fiz desse jeito por 4 anos, doando sangue para os mosquitos, e aí peguei malária. Foi por não saber. Quando fui procurar Luang Pu Ón ele sabia que estava com malária, ele deu uma tremenda bronca "Quem disse que malária leva à Nibbāna?", ele deve ter pensado que eu era uma pessoa de pensamento errado e então criticou. Quando Luang Pu Ón criticava não era brincadeira, ele dava bronca.

Após eu ter praticado o Dhamma e obtido resultados, queria ir para a floresta e para montanha o tempo todo. Se visse uma floresta fechada não conseguia sossegar se não entrasse lá, tinha que entrar, tinha que ir praticar o Dhamma ali (...) (...) desde o dia do fim do vassa, até um total de 15 dias, então saía em pindapāta. Fazia assim frequentemente. Antigamente eu era assim, mas hoje em dia minha idade já é avançada, de oito anos para cá meu coração está fraco, minha saúde não é boa, se não descansar vários dias, é como se fosse desmaiar. Esse é um dos obstáculos dos sankhāras. Mas ainda bem que consegui o Dhamma no passado, se não tivesse conseguido não ia conseguir lutar, se fosse desse jeito. Não ia conseguir praticar de forma extrema como antes. Antigamente praticava de forma extrema, sentava o dia e a noite inteira, na maioria das ocasiões praticava jomgrom até as 7 da noite e ia sentar em meditação. Assim que me sentava a mente se pacificava, ficava desse jeito, ciente desse jeito, até as 5 da manhã todos os dias. Às 5 eu levantava e ia lavar o rosto e saía em pindapāta. Naquela época fazia assim todos os dias. Como conseguia permanecer? Permanecia com felicidade, não com sofrimento. Não permanecia aguentando, suportando, tinha felicidade.

Meus discípulos viam que eu conseguia fazer assim, os monges e noviços que moravam junto, "Ei, Tahn Ajahn consegue fazer, será que não conseguimos?", então vinham prestar reverência "Tahn Ajahn, eu não vou sair em pindapāta por 7 dias.". Eu pensava comigo mesmo "Será que ele aguenta?" e dizia: "Ok, pode fazer, mas não faça promessa." "Já fiz a promessa." "Humpf! Vai quebrar a promessa.". Então ele fez jejum e não saiu em pindapāta. Não comia com os outros. No quarto dia gritou com toda força "Eu não aguento mais!". Coitado, ele não conseguiu fazer por causa do sofrimento. É como nós estarmos na felicidade e ele estar no sofrimento, não consegue ficar. No final deu 4 dias, não chegou aos 7 dias e ele quebro a promessa e veio prestar reverência: "Ôe, não falei? Não vá fazer promessa, faça só o quanto conseguir. Eu nunca fiz promessa, quando eu sentava eu simplesmente não admitia levantar. Praticava de forma contínua. Não queria largar a paz e a felicidade que vinha do samādhi (...) (...) pois minha mente não conhecia profundamente o Dhamma, só superficialmente. No passado eu já encalhei, encalhei na superfície. Fiquei encalhado por 6 meses. Fiquei encalhado nesse tipo de felicidade por 6 meses. Eu não sabia que estava encalhado na felicidade. Ouvi o mestre ensinar "Praticantes do Dhamma, não se apeguem às nimittas.". Pensei comigo mesmo, "Se apegar para quê?

São apenas nimittas.". Vejam só, minha mente ainda não sabia então era imprudente. Desrespeitosa com o mestre. Isso surgiu em mim, ouvi e não aceitei o que foi dito. Quando fui me sentar e a mente se pacificou em samādhi, a mente subiu, foi para o paraíso, viu um palácio no paraíso e foi direto para lá.

Quando chegou no palácio no paraíso, foi discutir Dhamma com as devatas. Veio um deva conversar, tinham todo tipo de devas sentadas em fileiras, como vocês sentados aí, sentavam em meditação, pacíficas e bem-arrumadas. Naquele lugar a temperatura era estável e agradável, sentava e sentia frescor no corpo e na mente, bem-estar no corpo e na mente, o Dhamma que discutíamos ali era o mais fresco.

Todos os dias quando me sentava "pup!" a mente ia direto para lá. Ficava até as 5 da manhã, todos os dias, por 6 meses, quase 7, por volta de 6 meses e meio. Naquela época estava em Wat Nong

Bua Ban, com Luang Pu Ón. O dia em que parou de ser dessa forma eu fui praticar jomgrom, tomei banho e fui praticar jomgrom. Praticava jomgrom todos os dias, sentava todos os dias, e naquele dia fiz como sempre. Depois de ter praticado jomgrom até a meia-noite uma pergunta surgiu da minha mente: "O que é esse lugar em que vamos todos os dias?". Surgiu a pergunta questionando e a resposta surgiu: "Ali é o Nibbāna." "O Nibbāna é desse jeito? Há apego à felicidade daquele jeito? Tem muita felicidade e ainda tem um monte de gente lá no Nibbāna. Um monte de mulheres, um só homem. Êêê esse Nibbāna tem felicidade a esse ponto, será que não é ainda mais que isso? Não é ainda melhor que isso? Ou será que aquilo é o paraíso? Se é desse jeito não é o paraíso? Tem um palácio daquele jeito, não são devatas?

Não são devas? Êêê... O deva vem discutir Dhammas elevados a esse ponto?"

Ele vinha perguntar sobre o Nobre Caminho Óctuplo, os 9 Lokuttara, no começo os quatro Brahmavihāras, no primeiro dia perguntou sobre os quatro Brahmavihāras, e perguntou sobre as Quatro Nobres Verdades, e perguntou sobre o Nobre Caminho Óctuplo, os 9 Lokuttara, ia perguntando sem parar. Todas as vezes que ele perguntava, era só ele perguntar e era como se eu já soubesse, já sabia, mesmo sendo que eu jamais estudei. Minha mente ficou discutindo "É o paraíso, é o Nibbāna", ficou desse jeito o dia e a noite inteira. Ficou assim até o dia nascer, não consegui dormir. Pela manhã sai em pindapāta e continuava pensando nisso, ao voltar continuava pensando naquilo, não conseguia conversar, só pensava nisso. Só confusão, até chegar ao sétimo dia e subir um calor no meu peito, como se fogo estivesse queimando.

No sétimo dia decidi perguntar ao Luang Pu para poder saber o que é aquele local que ia visitar todo dia. Então levei meu manto junto(8), fui ajudar a dar banho(9) no Luang Pu, ao final da tarde, apos o banho Luang Pu subiu para a cabana dele, eu vesti meu manto e subi. Estava com medo que após subir ele mascasse betel e fosse praticar jomgrom. Normalmente Luang Pu Ón após subir mascava betel e logo ia praticar jomgrom. Ia praticar jomgrom após tomar banho. Naquele dia ele subiu e foi mascar betel sentado à mesa de receber visitantes, de olhos fechados. mascava betel "jup, jup, jup". Eu subi e fui prestar reverência, após a primeira reverência, levantei o rosto, ele ainda estava de olhos fechados, na segunda levantei o rosto, ele estava de olhos fechados, quando levantei o rosto a terceira vez, após me prostrar, ele gritou com toda força, apontou para minha cara também: "UM PRATICANTE DO DHAMMA APEGADO AO PARAÍSO?!" Eu ainda não tinha perguntado nada. Não é incrível? Ele apontou para minha cara "Um praticante do Dhamma apegado ao paraíso?! Eu não sou igual a você! Um ária tem que conhecer bem aqui!" e ele apontou para o centro do seu peito. Eu fechei os olhos e concentrei sati, quando ele deu o grito, foi como se meu coração parasse, por causa da minha atenção, do meu respeito por ele. "Um ária tem que conhecer bem aqui! Se se apegar ao paraíso vai ter que nascer de novo!", ele falou assim. Luang Pu gostava de gritar bem alto. Eu então soube "Ôô eu me apeguei ao paraíso! Me apeguei à felicidade do paraíso, à nimitta do paraíso!" Antes eu negava "Para quê se apegar à nimitta?"

Isso é a falta de conhecimento de si mesmo. Fui contradizer o ensinamento do mestre. Foi só ele falar daquele jeito e minha mente se unificou, surgiu uma luz em frente ao meu peito, quando a mente se unificou logo em frente ao peito, o conhecimento dela atravessou tudo naquele dia. Ficou ainda mais limpa do que antes, muito mesmo. Desse dia em diante não fui mais ao palácio no qual antes havia ido, todas as vezes que concentrava sati era como se estivesse acima do mundo. O que quer que acontecesse eu sabia, via, escutava, como se fosse um relatório automática para que eu ficasse sabendo o tempo todo. Esse é conhecimento que vem de samādhi, para conseguir chegar aqui tem que ter um mestre, não é algo comum, se encalhar e não tiver alguém com mais conhecimento que nós, não há quem consiga resolver. Isso é verdade, eu talvez fosse ficar encalhado bem ali...

Notas:
(1) subiu na cabana: antigamente as cabanas nos monastérios de floresta eram construídas sobre palafitas, cerca de dois metros de altura, para proteger dos animais e também para ficar mais arejada.
(2) Nên: abreviação de “samanên” que é a pronúncia tailandesa da palavra em pāli “samanera”.
(3) Médico do Dhamma: é óbvio, isso não tem nada a ver com o ensinamento do Buddha, mas como a Tailândia é um país budista, as pessoas do povo usam o vocabulário e as imagens associadas à religião vigente para expressar todas vertentes de espiritualismo e folclore popular. Podemos observar o mesmo no Brasil com relação ao cristianismo.
(4) Audição divina, visão divina: mais sobre esse assunto pode ser encontrado no Visuddhimagga, na seção “Abhiññā-Niddesa”.
(5) Continua branco como antes?: as pessoas da cidade provavelmente não nunca viram, mas se você colocar uma panela diretamente sobre fogo de lenha, o fundo da panela fica preto e acumula uma camada de fuligem.
(6) o sinal para sair em pindapāta: esse sinal servia para avisar aos aldeões que queiram doar comida que os monges estavam vindo.
(7) arroz grudento: é uma variedade de arroz que após cozida continua com uma consistência firme e é grudento, as pessoas comem com a mão pegando pequenas porções e mergulhando num molho.
(8) levei meu manto junto: em geral dentro do monastério os monges usam apenas um sarong e um pano para cobrir o peito chamado “angsa”. Numa situação mais formal eles vestem o manto completo.
(9) ajudar a dar banho: era rotina comum antigamente os monges lavarem o corpo do mestre como um ato de devoção. O mestre se sentava em um local aberto, vestindo um sarong, e os monges lavavam o corpo dele exceto as partes íntimas e a cabeça pois era considerado desrespeitoso tocar a cabeça de alguém. Essas duas partes ele lavava sozinho.